Rivesaltes: um local de solidariedade e humanismo para os migrantes
O centro de formação de ofícios artesanais da cidade se propôs a ajudar os recém-chegados na sua integração, ensinando-lhes a língua francesa.
Rivesaltes (França)
Esta manhã, na sala de aula da Srª. Peres, os dicionários são usados para uma aula sobre segurança no trabalho. Com a ajuda do alfabeto escrito no quadro, os alunos têm de encontrar a palavra consigne (instrução). Zakaria, que foi o primeiro a encontrar a palavra, lê a sua definição em voz alta. Começa muito lentamente. O -i parece um -l e os -tion no final das palavras não estão a ajudar este principiante em francês. Mas com a supervisão atenciosa da professora, a definição de consigne ganha sentido.
Nesta aula encontram-se 10 alunos, oriundos do Burquina Faso, Argélia, Etiópia, Costa do Marfim, Tunísia, Afeganistão e Guiné. Todos eles passaram pelas perigosas rotas da migração em tenra idade, fugindo de guerras, repressão política e pobreza. A poucos quilómetros desta sala de aula encontra-se o memorial do campo de Rivesaltes, cuja exposição permanente mostra como a região foi local de passagem para a migração no século XX. Ao lado de um mapa com linhas riscadas, que representa o movimento da população em direção a Rivesaltes, lê-se: "Judeus em fuga da perseguição nazi, espanhóis da Retirada, ciganos expulsos da Alsácia-Lorena: estes exilados dos conflitos europeus começaram a chegar a Rivesaltes em 1941."
No cruzamento das rotas migratórias para o resto da França e da Europa, Rivesaltes e o Centre de Formation aux Métiers de l’Artisanat (CFMA) são hoje um lugar onde reina a diversidade e onde floresce uma certa visão de humanismo e solidariedade.
Diversidade significativa de origens e níveis
A Chambre des Métiers et de l'Artisanat des Pyrénées-Orientales, que inclui o CFMA em Rivesaltes, tem dois programas para migrantes que, muitas vezes, não falam francês. O primeiro é Promotion Senghor, que se destina a pessoas que encontraram um estágio, mas precisam de reforçar as suas competências na língua francesa. É-lhes proposto um contrato de 3 anos (em vez de 2) que lhes confere um certificado de aptidão profissional (CAP). No primeiro ano, dois dias por semana são dedicados à aprendizagem do francês, enquanto os dois anos seguintes são divididos entre as suas funções na empresa e o ensino geral.
O segundo programa é o Prépa' Apprentissage para estudantes que não encontraram um estágio e que precisam de melhorar o seu nível de francês para aumentar as suas hipóteses de obterem um contrato. Este curso oferece 4 dias de aulas de francês por semana para uma aprendizagem intensiva da língua.
A grande diversidade, tanto em termos de origem como de nível de francês, é uma das principais caraterísticas dos dois programas, que são regularmente combinados. Face a esta diversidade, os professores devem adaptar os seus métodos de ensino para responder às expetativas dos estudantes que se apercebem da importância do domínio do francês na sua integração.
Na aula, os temas abordados não devem nada ao acaso
Uma interação relatada pelo Sr. Nay põe em evidência esta motivação, quando um aluno de origem afegã recusou responder a uma pergunta do professor, invocando o facto de a sua língua materna ser o pashto e não o francês, que mal dominava. Um comentário ao qual um dos seus compatriotas retorquiu em bom francês: "Ici c'est plus pachto, ici c'est français" (Aqui não se fala pashto, fala-se francês).
É por este motivo que é proibido o recurso a ferramentas de tradução automática nas aulas do Sr. Nay, uma vez que este acredita que "as palavras devem ser aprendidas em francês e não na [sua] língua". A comunicação está também no centro da pedagogia deste professor, que insiste que qualquer palavra mal compreendida por um aluno deve ser explicada coletivamente pela turma, com cada um a contribuir com a sua própria definição de modo a que todos a compreendam. Uma pedagogia partilhada pela Srª. Peres que gosta de juntar os estudantes mais avançados aos recém-chegados, para permitir que todos participem ativamente no progresso da turma.
A escolha dos temas estudados na aula não é deixada ao acaso e corresponde às necessidades destes (futuros) aprendizes. "De manhã falámos sobre os riscos no trabalho", diz Amin, que quer tornar-se eletricista e descreve o seu equipamento de segurança: "É preciso usar óculos, capacete, botas, máscara". Mais tarde, o exercício consiste em chamar uma ambulância em caso de acidente, o que é da maior importância. Apesar da seriedade do assunto, podem-se ouvir risos na sala de aula quando Ismael simula uma chamada de emergência que roça o cómico: a sua esposa caiu do sofá.
Esta estratégia escolhida por permitir aos estudantes uma melhor integração no ambiente social ou profissional em que vivem é também utilizada pelo Sr. Arjelies, que ensina uma aula de geografia francesa nesse dia. À luz da marcante atualidade política que se vive no país no rescaldo da primeira volta das eleições presidenciais, foram feitas perguntas gerais sobre o assunto.
A ignorância dos seus colegas de turma sobre o assunto chocou Cyrille que lhes resumiu a situação da seguinte forma: "Há o Presidente que quer unir o povo e há o outro que nos quer dividir. [...] Se Le Pen ganhar, temos de arrumar as malas e ir embora. Deviam rezar para que Macron ganhe."
Abra a mente de todos
Estes diferentes elementos de pedagogia empírica implementada pelo corpo de docentes dão frutos com alunos que estão muito gratos pelo seu trabalho, como Zabiullah que felicita a Srª. Peres: "Excelente trabalho, professora!" Este método também cria solidariedade e cumplicidade entre os alunos, o que ajuda o grupo a progredir tanto a nível académico como pessoal.
Uma discussão na ausência da professora foi particularmente reveladora neste sentido. Eclodiu numa efusão de diversidade cultural, onde todos se inspiraram na profundidade dos seus poucos conhecimentos de francês para trocar conselhos e experiências sobre entrevistas de emprego. Esta discussão emocionante mostra como todos estes jovens se encontram no mesmo barco, profere o Sr. Nay.
A longo prazo, o acompanhamento proporcionado pelo CFMA em Rivesaltes, pelo programa Promotion Senghor e pelos seus professores terão permitido a Ladji, de 20 anos, proveniente do Mali, obter trabalho numa padaria no âmbito do CAP, onde floresce e é apreciado por todos. Esta iniciativa permitiu igualmente a Abdoulaye, proveniente da Costa do Marfim, conseguir um trabalho na oficina do Sr. Picard e, mais importante ainda, desenvolver as suas competências.
Tendo dito até então que "preferia que os migrantes ficassem nos seus países", este admite ter-se apegado a Abdoulaye, uma trabalhadora exemplar com qualidades humanas excecionais. Triste por vê-la partir no final do ano, admite: "De fora dizemos que devem ficar em casa, mas quando os conhecemos, só os podemos tratar com compaixão."
Marie-Paule Rando, responsável pelo CFMA, que tinha insistido na humanidade como um valor no início da reportagem, conclui com estas palavras: "Estou convencida de que há mais pessoas boas do que más. Mais pessoas prontas a oferecer um acolhimento digno aos migrantes do que as pessoas que os rejeitam."